OCUPAÇÃO POR ACASO
Welis Couto
Eu estava ali na delegacia de polícia, respondendo a um montão de perguntas, arrependido pela ideia que tivera de fazer tudo certinho. O policial, com cara de poucos amigos, fazia um questionamento atrás de outro sem me dar tempo para pensar em qualquer coisa mais elaborada que pudesse ser usada ao meu favor.
- Idade, local de nascimento, nome dos pais...
Quando ele perguntou pelo nome dos meus pais, pensei em emendar citando também o nome do meu avô. Embora eu não o tivesse conhecido, meu avô, Prof. Joaquim Couto, fora famoso por algumas razões: a mais nobre delas era o nome de tratamento: professor. No início do séc. XX, a ocupação de professor era exercida essencialmente por mulheres, mas, o meu avô tinha muito que ensinar. E o fez! E seu nome virou nome de rua e de escola.
Ele também fora conhecido por ter falecido na tenra idade de seus 54 anos estando em seu quarto casamento. Mas, essa é outra história...
O policial que tinha urgência em terminar o seu trabalho e não me dera tempo para essas confabulações. Foi logo emendando a pergunta seguinte:
- Ocupação?
- Ocupação? – Perguntei de volta. Confesso que eu não estava preparado para essa pergunta.
- É ocupação! O que você faz?
Senti um nó na garganta. Eu fazia nada. Isso poderia ser a minha ruína. Olhei para o policial que a tudo anotava sem sequer me ver e percebi que a ajuda não viria dali. Vai-me prender! – Pensei. Definitivamente eu estava em apuros. Passaram-se não mais do que dois segundos, ele olhou-me rispidamente e sentenciou:
- Vou-lhe perguntar pela última vez: qual é a sua ocupação?
Naquela aflição, pensei em responder “aposentado”. Mas, aposentado faz nada. Não pode ser uma ocupação. Bancário, eu ia responder, mas acabara de me aposentar. Escritor. À exceção do meu amigo Rogério Salgado, no Brasil ninguém vive sendo escritor. Então me veio um último alento:
- Bancário aposentado.
O policial se deu por satisfeito com a minha resposta e terminou de preencher os documentos para renovar minha carteira de identidade.
Embora tenha servido para atualizar o documento, eu não estava satisfeito com essa resposta. Eu que trabalhara a vida inteira, agora não tinha ocupação. Não conseguiria encarar a vida sendo um Zé Ninguém.
Voltei para casa com aquele enigma na cabeça. Eu precisava de uma ocupação para não me declarar vagabundo. Fui direto consultar a CBO – Classificação Brasileira de Ocupações, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Uma extensa lista que traz todas as ocupações regulares no Brasil. E não se furtem, lá estão desossador, prostituta, preparador de melado, dirigente político. São 2.551 ocupações e 7.419 títulos sinônimos.
Mas, não estava o aposentado.
Foram dias terríveis. Eu tivera renovado meu documento de identificação e perdera minha identidade. Não mais tinha ocupação. De um momento para outro eu me transformara em um desocupado, um sanguessuga em um País que tanto precisa do meu trabalho.
A ignomínia passou a ser minha companheira. Lá vai aquele desocupado – certamente era o que diziam as pessoas quando eu passava.
Até que veio o grande dia: eu me preparava mais uma vez para dar o sangue e meu pobre dinheirinho para esse País. Baixei o programa de imposto de renda na página da Receita Federal e comecei a prestar contas para o leão. Logo no primeiro módulo eram solicitados os meus dados pessoais. Comecei a preencher as informações até chegar aonde pediam a minha ocupação. Trêmulo, cliquei no combo para selecionar as ocupações disponíveis. Para minha surpresa lá estava o aposentado.
Ao menos para pagar imposto, aposentado é ocupação. |